Você sabe o que é Tare?
Pois é, há 10 anos eu também não sabia! Mas hoje eu sei e vou dividir com vocês! Tare é o acrônimo para Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo. Mas o que é isso? Para explicar, vamos voltar no tempo:
Em 2011 eu dei à luz a uma linda garotinha chamada Maria Luiza, a qual chamamos de Malu. Eu era mãe de primeira viagem, mas me sentia muito segura em relação a maternidade, tivemos alguns desafios na amamentação (hoje eu sei que já podiam ser indícios do Tare), pois a Malu tinha muita dificuldade para mamar, eu dizia para o médico: “parece que ela não gosta do gosto do leite” e ele me olhava como se eu fosse louca, afinal mamar faz parte do instinto do ser humano. Com 3 meses de vida já estava insustentável amamentar, ela chorava muito e já estava perdendo peso, então decidi deixar somente a fórmula infantil, mas aí outra novela, ela mamava 1 semana uma fórmula e na semana seguinte não queria mais, e assim fomos trocando de fórmula até que ela não aceitava mais nenhuma!
Socorro!! A essa altura eu já estava em desespero.
O médico sugeriu que eu adicionasse Muscilon, não adiantou! Farinha láctea, não adiantou! Nescau, não adiantou! Até que o médico incrédulo disse: tenta o Quick! E foi isso que ela mamou (fórmula + Quick) até a introdução alimentar. Sim, chorei muitas noites dando aquela tinta rosa cheia de açúcar para minha filha, mas ela não mamava mais nada.
Para o meu breve alívio a introdução alimentar foi tranquila, ela aceitava cada dia mais alimentos dos mais variados grupos alimentares eu estava no paraíso!! Até que, aos 2 anos e meio a Malu começou a recusar alguns alimentos, a princípio pensei que era uma fase, começou recusando um alimento ou outro, mas com o passar do tempo ela começou a recusar TUDO, ficava facilmente sem comer. Me lembro de uma recomendação do médico: “Ela não está comendo porque você cede e dá o que ela quer, deixe ela com fome e ela vai comer tudo novamente”. Era o pediatra da minha filha, pensei NAQUELA época que ele tivesse razão e fui para casa disposta a tentar.
A Malu ficou 3 dias sem comer!!!! Eu fiquei desesperada, não aguentava ver minha filha sem comer e dei a ela o mama (uma das poucas coisas que ela aceitava na época), quando retornei ao pediatra ele disse que eu havia sucumbido, por isso ela não tinha comido, oiiii??????? Aquela altura eu sabia que tinha alguma coisa errada, comecei a pesquisar, falei com várias colegas psicólogas, a levei a vários pediatras e ninguém sabia o que minha filhinha tinha. Era uma sensação de impotência terrível, eu não sabia o que fazer. Nessa época ela comia: Iogurte com granola, miojo, nuggets, batata frita, batata doce frita, arroz e caldo de feijão, carne moída, o mama, maçã, bolacha tipo maisena com requeijão, bisnaguinha com requeijão, isca de tilápia empanada, que eu me lembre era mais ou menos isso (mal sabia eu que isso era o paraíso).
É claro que, eu, mãe de primeira viagem, sem o conhecimento que eu tenho hoje, cometi muitos erros, ainda não tinha estudado sobre a disciplina positiva e educação empática, eu educava como eu fui educada, ou seja, deixei de castigo por não comer, dei umas “palmadas” (só de pensar meus olhos enchem de lágrimas), obriguei a comer sob ameaça, fiz chantagem, tentei suborno, mas nada funcionou.
Hoje eu sei que esse tipo de disciplina só causa danos e educo minhas filhas em uma abordagem completamente diferente, mas isso é papo para outro dia!
Mesmo fazendo tudo isso, ela não comia, só chorava e a hora das refeições passou a ser um tormento para a família! Eram só brigas e gritos! Quando a Malu tinha 2 anos e meio a Bia nasceu e com ela foi tudo diferente, a amamentação foi tranquila, a introdução alimentar tranquila e eu comecei a pensar que a Malu tinha alguma dificuldade.
Nos mudamos para Curitiba quando a Malu tinha 4 anos e a Bia tinha 2. Essa era a minha chance de encontrar um profissional que pudesse me ajudar, pois eu morava no interior e lá as coisas eram ainda mais difíceis. Mas não foi tão simples quanto eu imaginei. Em 2017, ou seja, Malu estava com 6 anos, encontrei pela primeira vez na internet um artigo falando sobre o Tare! Eu chorei lendo aquilo, parecia que alguém estava descrevendo os sintomas da minha filha. Próximo desafio, encontrar alguém que sabia o que era e como tratar!!! Infelizmente foi muito difícil, eu ligava para todas os psicólogos que achava, mas ninguém sabia o que era Tare!! Até que em Setembro daquele ano, encontrei uma psicóloga que sabia o que era o Tare e a Malu começou a ir. A Psicóloga se chama Talita e ela me ajudou muito, me explicou o que minha filha tinha, me ajudou a aliviar a minha culpa, pois eu tinha certeza que a culpa dela ser assim era minha!
Meus problemas estavam resolvidos? Não é tão simples assim! A primeira coisa que fazemos com uma pessoa com Tare é eliminar todas as possibilidades fisiológicas, então ela fez avaliação com otorrinolaringologista, gastroenterologista, fonoaudióloga, nutricionista e precisava de uma consulta com uma terapeuta ocupacional, e aí tivemos um outro impasse, eu não conseguia achar uma terapeuta ocupacional, com experiência em Tare com agenda disponível. A psicóloga já tinha identificado que o tare da Malu era do subtipo sensorial, então a necessidade da terapeuta ocupacional era fundamental. Especialmente no caso da Malu, que tem uma rigidez cognitiva muito grande é preciso tratar a questão sensorial para depois entrar com a terapia. Nesse meio tempo eu tive Câncer e precisei cuidar de mim, depois tivemos pandemia, e o tempo foi passando. O Tare da Malu tem ciclos, as vezes ela está mais selitiva e as vezes menos.
Ano passado (2022) ela iniciou com a Terapeuta Ocupacional (TO) e tem mostrado alguns progressos, especialmente no que diz respeito a independência, autonomia, demonstrar afeto, que foi justamente a primeira coisa que a TO disse que melhoraria. Assim que a questão sensorial estiver mais desenvolvida, vamos partir para a terapia com psicóloga cognitivo comportamental e nutricionista.
Mas o porquê dessa dificuldade toda? O Tare só entrou para o manual de diagnósticos e estatísticos de transtornos mentais (DSM-VTR) em 2010, ou seja, é um transtorno alimentar novo, em 2014 quando ela começou a ficar seletiva, não existiam pesquisas sobre o assunto (até hoje, tem muito pouco), muito menos profissionais capacitados para atender essa demanda.
Desde que eu descobri o que era Tare, passei a estudar muito sobre o tema, li muitos livros, quase todos em Inglês porque temos pouquíssimas publicações a respeito aqui no Brasil. Li todos os artigos disponíveis sobre o tema e fiz um treinamento do protocolo de tratamento do Tare do hospital de Massachussetz, protocolo que tem tido bons resultados nos Estados Unidos.
Hoje oriento pais a respeito do Tare e suas implicações para que não sintam na pele o que eu passei, algumas orientações já podem mudar alguns comportamentos alimentares da criança. E também aplico o protocolo em adolescente e adultos.
Mas precisamos ter cautela com as expectativas, estamos falando de um dos transtornos alimentares mais difíceis de tratar, a ideia do protocolo é ajudar o indivíduo a atingir ou manter um peso saudável, corrigir as deficiências nutricionais, introduzir alimentos de cada um dos 5 grupos alimentares, sentir-se mais a vontade para comer em situações sociais e trazer funcionalidade em relação a comida, para que o individuo se permita experimentar novos alimentos (para uma pessoa com tare, experimentar algo novo é extremamente assustador e desconfortável).
O trabalho com o paciente com Tare é multidisciplinar. É necessário acompanhamento de um médico (Otorrinolaringologista, gastroenterologista para descartar qualquer condição médica para a recusa alimentar e pediatra/clinico para acompanhar o desenvolvimento e questões fisiológicas), nutricionista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e psicólogo.
Você conhecia o que é Tare?
Essa é a minha história e da Malu com o Tare!